O avanço de políticas de descarbonização da matriz de transportes em vários países a partir do próximo ano – o RenovaBio é o exemplo caseiro desse movimento – está melhorando as expectativas de um aumento da produção de etanol não apenas entre as usinas brasileiras. Começa a crescer também o otimismo entre as indústrias de base, que amargam há uma década o refluxo de investimentos desse setor depois de terem surfado no forte movimento de construção de novas plantas no início do século.
Três indústrias de bens de capital consultadas pelo Valor relatam terem percebido recentemente um aumento da demanda por investimentos em expansão de capacidade por novas destilarias anexas a usinas de açúcar para o próximo ano, além de projetos para o processamento de milho.
Além do cenário de expansão da demanda interna por causa do RenovaBio – programa de estímulo à produção de biocombustíveis que acabou de entrar em vigor -, os industriais citam uma expectativa positiva com a demanda da China, que formalmente começa em 2020 sua política de mistura de 10% de etanol na gasolina (E10). A retomada, porém, ainda é lenta, seja por dificuldade de mais empresas investirem em novas plantas, seja por ainda haver capacidade ociosa nas usinas.
“Já temos contratos na carteira para entrega em 2020 que apontam para um crescimento do nosso faturamento de mais de 40% em 2020, para R$ 300 milhões”, disse Rogério Fanini Junior, diretor de operações da NG Metalúrgica, com fábrica em Piracicaba, um dos principais polos da indústria de bens de capital para as usinas de etanol.
A companhia aproveitou a nova onda de interesse em etanol de milho para se especializar na área. Após entregar no início do segundo semestre equipamentos da nova usina de milho da Inpasa em Sinop (MT), a NG já fechou um novo projeto milho para a cooperativa mato-grossense Alcooad Indústria de Etanol, criada por produtores de grãos do Estado, em Nova Marilândia. E tem mais três consultas em andamento para a construção de usinas de etanol de milho para o próximo ano, afirma Fanini Junior.
Principal fabricante de destilarias prontas do país, a JW Equipamentos, de Sertãozinho, já tem projetos sendo orçados para 2020 de três novas destilarias completas em usinas de cana que produzem hoje apenas açúcar e uma usina à base de milho em conjunto com a conterrânea Sermasa.
Neste ano, os projetos entregues pela JW se concentraram em novas destilarias e soluções para otimizar recursos, como tanques de vinhaça (subproduto da fabricação de etanol que vira adubo no campo) ou equipamentos para reduzir consumo de vapor, para ser aproveitado em plantas de cogeração de energia, diz Murilo Grecchi, gerente comercial da companhia.
A Sermasa também tem recebido mais consultas para máquinas em destilarias de cana, o que pode impulsionar o faturamento da companhia em 30% no próximo ano, ante aproximadamente R$ 60 milhões esperado para este ano. “Vai depender de fecharmos projetos de etanol para 2020 e de açúcar para 2021”, afirma Gilberto Santoro, CEO da companhia.
Ainda é cedo, porém, para se falar em uma nova fase na indústria de base que atende usinas. Segundo Luis Carlos Junior Jorge, presidente do Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis (CEISE Br), a carteira de projetos industriais que está sendo montada para 2020 deve ficar no máximo 5% acima da carteira entregue neste ano, sustentada por investimentos guiados pelo RenovaBio. “O programa vai bonificar a usina que for mais eficiente e, para ter nota maior, ela precisa investir em equipamentos mais modernos”.
Jorge alerta que muitas indústrias de base brasileiras podem acabar perdendo o bonde dos investimentos em usinas de etanol de milho para estrangeiras por estarem descapitalizadas. “A gente deveria estar adaptando nossa tecnologia de produção de etanol. Os EUA já têm histórico, mas faltaria pouco para tomarmos a liderança”. A dificuldade dessas indústrias é, avalia, a falta de linhas de financiamento com melhores condições, com carência e taxas menores ao tomador. “Não adianta o governo só olhar o aumento de produção de etanol, mas como aumentar”, defende.
Atualmente há cerca de 20 indústrias de base da região de Sertãozinho e Piracicaba que estão fechadas, e as indústrias metalúrgicas e mecânicas dessas regiões, que superam 1 mil empresas, estão com ociosidade de até 30%, estima o presidente do CeiseBr. Muitas só estão ativas no ramo porque optaram por atender também a outros setores, como os de óleo e gás, papel e celulose, energia elétrica, entre outros.
Ninguém nega, porém, o potencial para novos projetos de etanol. Apenas para atender as estimativas do mercado de dobrar a produção do biocombustível a partir de milho em quatro anos, seria necessário a construção de ao menos sete a dez usinas no Centro-Oeste, calcula o diretor da NG. Para atender as perspectivas do RenovaBio de aumentar o consumo de etanol no país em 18 bilhões de litros em dez anos, Grecchi, da JW, calcula que seria preciso adicionar duas a três destilarias de etanol no país por ano – sem considerar eventuais reativações de usinas hoje paradas.
Na atual temporada (2019/20), o Brasil deve produzir cerca de 35,5 bilhões de litros de etanol, de acordo com a última estimativa divulgada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Desse total, 1,7 bilhão de litros é feito a partir do processamento de milho – o volume mais que dobrou na comparação com a safra anterior, puxado pelos projetos de Mato Grosso.