Ele já foi visto com desconfiança, mas hoje o etanol de milho é uma realidade no mercado brasileiro de biocombustíveis. No lugar de ser um concorrente do etanol de cana, o produto se mostrou um complemento para a produção principalmente na entressafra.

Em um mercado em transformação, com pressões cada vez maiores pelo fim da utilização de combustíveis fósseis, o etanol de milho se torna uma alternativa promissora e o setor vem crescendo. De 37 milhões de litros na safra de 2013 e 2014, o volume passou para 1,67 bilhão de litros em 2019 e 2020 e deve chegar a 8 bilhões de litros em 2027 e 2028.

Tradicional no mercado norte-americano, a produção por aqui começou a despontar em 2015. Hoje, o biocombustível já responde por 8% do mercado de etanol no Brasil, de acordo com a União Nacional do Etanol de Milho (Unem) e com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Na próxima safra (2021/2022) o produto pode chegar a 10% de um volume que corresponde a 33 bilhões de litros.

As principais usinas estão situadas na região Centro-Oeste, principalmente no estado de Mato Grosso, o maior produtor do cereal. É lá também onde estão os maiores investimentos.

Além disso, a FS Bioenergia, maior produtora do setor no país, quer se tornar uma empresa com emissão negativa de carbono na atmosfera e investiu R$ 250 milhões em um projeto para isso.

Setor tem usinas de cana e milho lado a lado

O presidente executivo da União Nacional do Etanol de Milho, Guilherme Nolasco, explica que o produto final das usinas de etanol feito do milho é idêntico ao produzido a partir da cana. Até mesmo o ano-safra da cana é seguido pelo do milho. O etanol tem mais oportunidade de ser fermentado e destilado na entressafra da cana-de-açúcar, entre abril e novembro.

De acordo com Nolasco, hoje o Brasil tem três tipos de usinas. As chamadas full, que produzem etanol apenas a partir do milho. Um segundo modelo, flex, que produz etanol de cana durante a safra do produto, entre abril e novembro, e etanol de milho na entressafra da cana, entre dezembro e março.

E um terceiro modelo, chamado flex/full, em que uma usina de milho é instalada do lado de uma de cana e a destilação é feita em conjunto.

O Brasil tem 18 usinas que produzem etanol de milho. Dessas, 16 estão na região Centro-Oeste, sendo 11 somente em Mato Grosso e cinco em Goiás. São Paulo e Paraná têm uma unidade cada um.

Milho deve ocupar 20% do mercado de biocombustíveis até 2030

Guilherme Nolasco, da Unem, afirma que o etanol de milho não tem a pretensão de ser protagonista no mercado de etanol, mas projeta uma ampliação para os próximos anos. “Teremos uma participação cada vez mais relevante para manter a oferta de etanol no período da entressafra”, diz. O setor tem projeções para ocupar 20% do mercado de etanol até a safra 2029/30.

Além do etanol, as usinas ainda geram o que o executivo chama de cesta de produtos – o mesmo acontece na destilação do etanol de cana. Segundo ele, cada tonelada de milho processada gera um total de 430 litros de etanol e 300 kg de farelo.

“Como o milho é um cereal muito energético, sobra um farelo proteico que entra na composição da dieta de suínos e bovinos”, diz o presidente da Unem. Além disso, as usinas produzem óleo de milho para o biodiesel e nutrição e energia renovável para “exportar” para o sistema nacional.

Ao contrário dos Estados Unidos, onde a fonte de energia das usinas é predominantemente gás natural e carvão, aqui as usinas utilizam biomassa de madeira proveniente de florestas plantadas.

Oferta do cereal beneficiou o Mato Grosso

O surgimento das usinas de etanol em Mato Grosso foi uma consequência natural da produção de milho no estado, que produz cerca de 28% da safra nacional. Até pouco tempo atrás, a safra de milho era chamada de safrinha por ser uma safra menor plantada depois da colheita de soja. Hoje, essa segunda safra de milho já é tão grande quanto a de soja.

Segundo Guilherme Nolasco, da Unem, 7% do milho produzido no Brasil vai para o etanol. Ele diz que o potencial do milho de segunda safra é enorme e vai beneficiar o biocombustível. “Temos campo para crescer em termos de tecnologias de sementes. Hoje o milho é feito em apenas 60% da área de soja. A produção não precisa avançar sobre novas áreas, pode ocupar esses 40% e ainda ocupa áreas degradadas.”

Mesmo as projeções atuais, que apontam uma possível quebra na segunda safra do milho devido a problemas climáticos, não afetam o setor. Isso porque o setor compra com bastante antecedência, como explica o executivo. “A quebra pode impactar em casos pontuais de atrasos nas entregas, mas diante do todo não serão relevantes.”

Aposta nos veículos híbridos

Também como acontece na cana, um dos atrativos do etanol de milho é o viés ambiental e a cadeia tem atraído investimentos voltados para a economia verde, explica Guilherme. “Esse movimento é parte de um processo de mudança na matriz energética que pode ser identificado em todo o mundo”, diz.

Ele cita como exemplo o caso da Índia, que antecipou de 2025 para 2023 a elevação da mistura de 10% de biocombustíveis nos combustíveis fósseis.

“A China também já está sinalizando uma adição de etanol ao combustível fóssil. No curto prazo haverá um aumento da demanda mundial pela mitigação dessa fonte energética”, afirma.

Guilherme ainda observa que hoje, além da baixa autonomia, os veículos elétricos têm o problema de funcionarem com baterias de lítio bastante nocivas ao meio ambiente.

“Muitas vezes, essas baterias precisam ser carregadas a partir de uma fonte de energia de origem fóssil. O carro elétrico pode não emitir poluição quando circula, mas a fonte para a geração de energia acaba emitindo.”

Por isso ele acredita que os projetos que já estão em curso para veículos híbridos podem ser mais interessantes. “Não haverá uma única fonte disponível no mercado mundial, mas em meio a toda essa disponibilidade o etanol continuará sendo competitivo.”

Usina vai estocar carbono na rocha

Na semana passada, a FS Bioenergia, companhia pioneira e considerada a maior usina de etanol de milho e a quarta de etanol em geral do Brasil, anunciou um investimento de R$ 250 milhões em um projeto que a empresa chama de carbono negativo.

De acordo com o presidente, Rafael Abud, a usina já trabalha com 100% de energias renováveis. “Queríamos ir além e transformar a pegada de carbono em negativa.”

Ele explica que o processo consiste em capturar as emissões das usinas e injetar o carbono em rochas de arenito profundas e permeáveis situadas na Bacia do Parecis, em Mato Grosso, onde estão as duas unidades da FS estão situadas nas cidades de Lucas do Rio Verde e Sorriso. “A ideia é estocar o carbono na rocha de forma permanente.”

O vice-presidente de sustentabilidade da FS, Daniel Lopes, explica que a tecnologia é amplamente utilizada no setor de petróleo para a saída do combustível, mas a estocagem do CO2 produzido em biorrefinarias é uma novidade.

Hoje há 18 projetos no mundo com essa finalidade específica. Daniel diz que a FS fez um estudo geológico na região das usinas e garante que o processo é seguro e tem um monitoramento contínuo. “Além de correto do ponto de vista ambiental, é muito viável.”

Rafael Abud diz que há programas de crédito de carbono para baixas emissões. Ele cita o RenovaBio, referência no mercado brasileiro, mas diz que a empresa também utiliza programas em outros lugares do mundo. “Há muitos mercados querendo pagar prêmios para baixo carbono”, diz.

Fonte: UOL