{"id":207,"date":"2018-04-30T10:44:17","date_gmt":"2018-04-30T10:44:17","guid":{"rendered":"http:\/\/54.162.173.158\/?p=172"},"modified":"2023-03-02T18:34:17","modified_gmt":"2023-03-02T22:34:17","slug":"renovabio-impacto-no-mercado","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/etanoldemilho.com.br\/2018\/04\/30\/renovabio-impacto-no-mercado\/","title":{"rendered":"Renovabio: Impacto no mercado"},"content":{"rendered":"

Um decreto federal deu um passo importante para concretizar a nova Pol\u00edtica Nacional de Biocombust\u00edveis (RenovaBio), que busca revigorar a ind\u00fastria de bioenergia do pa\u00eds, al\u00e9m de reduzir as emiss\u00f5es de gases estufa conforme compromisso assumido pelo Brasil na Confer\u00eancia de Paris, em 2015. Gestada nos \u00faltimos dois anos por t\u00e9cnicos do Minist\u00e9rio de Minas e Energia (MME), a RenovaBio foi aprovada pelo Congresso no final do ano passado. Seu decreto de regulamenta\u00e7\u00e3o, assinado no dia 14 de mar\u00e7o pelo presidente Temer em uma cerim\u00f4nia em Ribeir\u00e3o Preto (SP) que marcou a abertura da safra de cana-de-a\u00e7\u00facar, definiu um cronograma para que a pol\u00edtica passe a vigorar em um prazo de dois anos. O Conselho Nacional de Pol\u00edtica Energ\u00e9tica, que assessora o governo, ir\u00e1 determinar at\u00e9 junho as metas compuls\u00f3rias para a redu\u00e7\u00e3o de emiss\u00f5es de carbono no uso de combust\u00edveis no pa\u00eds, que ser\u00e3o v\u00e1lidas para o per\u00edodo de 2018 a 2028. Em seguida, a Ag\u00eancia Nacional do Petr\u00f3leo, G\u00e1s e Biocombust\u00edveis ir\u00e1 desdobrar essas grandes metas em objetivos individuais a serem cumpridos por cada uma das distribuidoras de combust\u00edvel brasileiras a partir do dia 24 de dezembro de 2019.<\/p>\n

A principal inova\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica \u00e9 a cria\u00e7\u00e3o de um mecanismo que gera um ativo financeiro para os produtores de biocombust\u00edveis, como etanol, biodiesel, biog\u00e1s ou bioquerosene, proporcional ao volume produzido e que se baseia em crit\u00e9rios de efici\u00eancia. Quem fabrica biocombust\u00edveis ter\u00e1 direito a Cr\u00e9ditos de Descarboniza\u00e7\u00e3o (CBIOs), t\u00edtulos negociados em bolsas que constituir\u00e3o uma nova fonte de renda para o setor. J\u00e1 as distribuidoras ser\u00e3o obrigadas a comprar esses pap\u00e9is em quantidade correspondente a sua participa\u00e7\u00e3o no mercado de combust\u00edveis f\u00f3sseis. \u201cO objetivo desse mecanismo \u00e9 descarbonizar gradualmente a matriz energ\u00e9tica brasileira\u201d, diz o economista Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, diretor de biocombust\u00edveis da Secretaria de Petr\u00f3leo e G\u00e1s do MME, um dos art\u00edfices da nova pol\u00edtica.<\/p>\n

Como resultado dessa pol\u00edtica, o governo prev\u00ea ampliar a produ\u00e7\u00e3o de etanol dos atuais 30 bilh\u00f5es de litros para cerca de 50 bilh\u00f5es de litros em 2030 e elevar a de biodiesel de 4 bilh\u00f5es para 13 bilh\u00f5es de litros no mesmo per\u00edodo. Ao mesmo tempo, calcula uma economia de 300 bilh\u00f5es de litros de gasolina e diesel importados nos pr\u00f3ximos anos. Projeta-se tamb\u00e9m um aumento de 10 milh\u00f5es de hectares na \u00e1rea plantada dedicada \u00e0 bioenergia. Os idealizadores do programa ressaltam que o Brasil tem hoje 198 milh\u00f5es de hectares em pastagens, boa parte delas de baixa produtividade, que poderiam ser empregadas na produ\u00e7\u00e3o dessas culturas.<\/p>\n

O mecanismo proposto tamb\u00e9m busca estimular um aumento de produtividade das \u00e1reas j\u00e1 plantadas. O fabricante de biocombust\u00edveis, sempre que fizer uma venda, ter\u00e1 direito a emitir CBIOs, mas a quantidade de cr\u00e9ditos a que cada um ter\u00e1 direito depender\u00e1 de uma an\u00e1lise de seus processos de produ\u00e7\u00e3o \u2013 quanto menor o balan\u00e7o de emiss\u00f5es de gases estufa da empresa, mais cr\u00e9ditos ela poder\u00e1 receber. Essa avalia\u00e7\u00e3o vai reverter em uma nota de efici\u00eancia energ\u00e9tico-ambiental atribu\u00edda a cada produtor. Um software, o Renovalc, est\u00e1 sendo desenvolvido para fazer c\u00e1lculos precisos.<\/p>\n

Espera-se que essa l\u00f3gica estimule as usinas a utilizar as melhores pr\u00e1ticas de plantio e de gera\u00e7\u00e3o de bioenergia, al\u00e9m de adotar novas tecnologias. Usinas que, al\u00e9m de produzir etanol, tamb\u00e9m queimam res\u00edduos da cana para gerar eletricidade ou produzem biog\u00e1s para substituir o diesel usado nas m\u00e1quinas poder\u00e3o obter mais cr\u00e9ditos do que as que n\u00e3o aproveitam a palha, o baga\u00e7o ou a mat\u00e9ria org\u00e2nica da vinha\u00e7a. \u201cSabemos que o etanol \u00e9 sustent\u00e1vel, que emite em m\u00e9dia 80% menos carbono do que combust\u00edveis f\u00f3sseis, mas alguns produtores t\u00eam indicadores econ\u00f4micos e ambientais melhores do que outros e \u00e9 justo que sejam reconhecidos\u201d, explica o agr\u00f4nomo Heitor Cantarella, pesquisador do Instituto Agron\u00f4mico de Campinas (IAC) e membro da coordena\u00e7\u00e3o do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen). \u201cCom a RenovaBio, ser\u00e1 poss\u00edvel mudar a forma como produzimos bio-energia e mostrar que o segundo maior produtor de etanol e de biodiesel do mundo est\u00e1 engajado em fabricar combust\u00edveis ainda mais limpos.\u201d<\/p>\n

Segundo Cantarella, a nova pol\u00edtica deve dar impulso a uma vertente de pesquisa em bioenergia que busca alternativas tecnol\u00f3gicas para reduzir emiss\u00f5es. Em um artigo de opini\u00e3o que publicou em fevereiro no jornal brit\u00e2nico Financial Times, ele chamou a aten\u00e7\u00e3o para o peso do uso de certos fertilizantes no balan\u00e7o de emiss\u00f5es de carbono em planta\u00e7\u00f5es de cana e para as alternativas capazes de reduzir esse impacto, como o uso de subst\u00e2ncias que inibem a libera\u00e7\u00e3o de \u00f3xido nitroso, um g\u00e1s de efeito estufa liberado por adubos nitrogenados. \u201cQualquer tipo de redu\u00e7\u00e3o de emiss\u00e3o ser\u00e1 bastante valorizado a partir de agora.\u201d Alguns projetos apoiados pelo programa Bioen h\u00e1 tempos investigam a natureza das emiss\u00f5es de carbono. \u201cO uso rotineiro de palha e vinha\u00e7a como fertilizantes nos canaviais tende a aumentar as emiss\u00f5es, mas h\u00e1 grupos de pesquisadores procurando formas de atenuar isso\u201d, afirma. \u201cDe todo modo, as emiss\u00f5es no Brasil causadas por uso de fertilizantes s\u00e3o inferiores aos \u00edndices m\u00e9dios considerados pelo Painel Intergovernamental de Mudan\u00e7as Clim\u00e1ticas, o IPCC.\u201d<\/p>\n

Tamb\u00e9m se espera que a nova pol\u00edtica incentive a supera\u00e7\u00e3o de obst\u00e1culos tecnol\u00f3gicos e a busca de viabilidade econ\u00f4mica para implantar m\u00e9todos mais sustent\u00e1veis de produ\u00e7\u00e3o de bioenergia, notadamente o etanol de segunda gera\u00e7\u00e3o, obtido a partir de celulose e de res\u00edduos org\u00e2nicos. \u201cA expectativa \u00e9 de que a RenovaBio se transforme tamb\u00e9m em um driver de desenvolvimento tecnol\u00f3gico\u201d, diz o engenheiro-agr\u00f4nomo Gon\u00e7alo Amarante Guimar\u00e3es Pereira, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos fundadores da Granbio, empresa que inaugurou a primeira usina de etanol de segunda gera\u00e7\u00e3o no Brasil, instalada em 2014 em S\u00e3o Miguel dos Campos, em Alagoas. Amarante, que deixou a empresa em 2016, diz que os problemas tecnol\u00f3gicos da linha de produ\u00e7\u00e3o foram resolvidos e que a empresa agora trabalha para equacionar quest\u00f5es financeiras para implantar novas solu\u00e7\u00f5es e ampliar a opera\u00e7\u00e3o. \u201cA alta do pre\u00e7o do petr\u00f3leo atrapalhou e afugentou os investidores em bioenergia, mas \u00e9 esperado que agora, com a RenovaBio, surja uma nova onda de financiamento.\u201d O MME projeta um crescimento do interesse privado na ind\u00fastria de biocombust\u00edveis e prev\u00ea investimentos de R$ 90 bilh\u00f5es at\u00e9 2030 apenas na produ\u00e7\u00e3o de bioetanol.<\/p>\n

Luciano Rodrigues, respons\u00e1vel pela \u00e1rea de economia e an\u00e1lise setorial da Uni\u00e3o da Ind\u00fastria de Cana-de-A\u00e7\u00facar (Unica), vislumbra dois impactos principais da RenovaBio. \u201cEla vai dar mais previsibilidade a todos os agentes do mercado, dizendo a cada um deles qual ser\u00e1 o papel dos biocombust\u00edveis no futuro\u201d, diz. O segundo impacto est\u00e1 relacionado aos CBIOs. \u201cOs biocombust\u00edveis t\u00eam o que chamamos de externalidades positivas: quando algu\u00e9m usa um combust\u00edvel renov\u00e1vel, isso gera um benef\u00edcio para toda a sociedade, com uma emiss\u00e3o menor de gases estufa. O mecanismo criado reconhece essas externalidades, recompensa a produ\u00e7\u00e3o de biocombust\u00edveis e tende a ampliar a sua oferta. A produ\u00e7\u00e3o de biocombust\u00edveis vai crescer com a busca de efici\u00eancia ambiental e econ\u00f4mica.\u201d<\/p>\n

A nova estrat\u00e9gia surge em um momento em que a ind\u00fastria brasileira de biocombust\u00edveis tenta superar uma fase de crise e baixo investimento. Segundo um levantamento da consultoria RPA, de Ribeir\u00e3o Preto, especializada em neg\u00f3cios da cana, 76 das 444 usinas do pa\u00eds estavam paradas no segundo semestre do ano passado, parte delas em situa\u00e7\u00e3o de insolv\u00eancia. \u201cA RenovaBio criou uma demanda nova para os produtores de biocombust\u00edveis. N\u00e3o \u00e9 por acaso que est\u00e1 sendo comemorada pela ind\u00fastria canavieira\u201d, diz Daniela Stump, especialista em direito ambiental da Machado Meyer Advogados. \u201cAo mesmo tempo, gerou uma grande novidade na pol\u00edtica ambiental brasileira, que vinha perdendo efetividade h\u00e1 alguns anos. \u00c9 a primeira vez que se criam metas compuls\u00f3rias para redu\u00e7\u00e3o de emiss\u00f5es. Eu nunca tinha visto um compromisso t\u00e3o firme\u201d, ressalta Daniela, que faz, contudo, um alerta: \u201c\u00c9 preciso agora criar metas para outros setores da economia. N\u00e3o \u00e9 justo eleger apenas um setor para o papel de vil\u00e3o. Todos devem participar do esfor\u00e7o de prote\u00e7\u00e3o ao clima, de acordo com as suas emiss\u00f5es de gases de efeito estufa e capacidade de redu\u00e7\u00e3o\u201d.<\/p>\n

Os idealizadores da RenovaBio adaptaram pol\u00edticas adotadas nos Estados Unidos e na Uni\u00e3o Europeia. \u201cH\u00e1 estrat\u00e9gias testadas h\u00e1 mais de 10 anos e uma boa literatura sobre o assunto mostrando o que deu certo e o que deu errado. Aproveitamos essa experi\u00eancia\u201d, diz Miguel Ivan de Oliveira, do MME. A principal inspira\u00e7\u00e3o veio do Low Carbon Fuel Standard (LCFS), pol\u00edtica p\u00fablica em vigor no estado da Calif\u00f3rnia. O LCFS define metas de redu\u00e7\u00e3o de emiss\u00f5es e rotas para alcan\u00e7\u00e1-las utilizando diferentes tecnologias e combust\u00edveis \u2013 e tamb\u00e9m estabelece recompensas espec\u00edficas para cada rota. J\u00e1 a RenovaBio n\u00e3o delimita trilhas tecnol\u00f3gicas e os cr\u00e9ditos de descarboniza\u00e7\u00e3o ter\u00e3o um valor \u00fanico, a ser definido pelo mercado. \u201cNa RenovaBio, n\u00e3o s\u00e3o eleitos a priori quais ser\u00e3o os \u2018campe\u00f5es\u2019. Cada biocombust\u00edvel competir\u00e1 para atingir a meta de descarboniza\u00e7\u00e3o. A produ\u00e7\u00e3o de biocombust\u00edvel que for mais eficiente do ponto de vista energ\u00e9tico e ambiental \u00e9 a que vai poder emitir mais cr\u00e9ditos e, portanto, ser\u00e1 mais recompensada\u201d, escreveu o economista Pl\u00ednio Nastari, presidente da consultoria DataAgro, em um artigo publicado no jornal Folha de Pernambuco.<\/p>\n

Embora a lei da RenovaBio tenha sido regulamentada com rapidez, ainda h\u00e1 vari\u00e1veis sem defini\u00e7\u00e3o, a exemplo das metas individuais impostas \u00e0s distribuidoras e a forma de calcular a efici\u00eancia dos produtores. Como a cota\u00e7\u00e3o dos CBIOs vai oscilar de acordo com a oferta e a procura, \u00e9 dif\u00edcil antever como ser\u00e1 o funcionamento do mercado antes de conhecer as metas. \u201cMas \u00e9 poss\u00edvel imaginar que o valor dos cr\u00e9ditos cair\u00e1 se houver um aumento do pre\u00e7o do petr\u00f3leo, porque isso j\u00e1 seria um desest\u00edmulo ao consumo de combust\u00edveis f\u00f3sseis\u201d, diz Luciano Rodrigues, da Unica. Na avalia\u00e7\u00e3o de Gon\u00e7alo Amarante, os cr\u00e9ditos devem ter boa liquidez. \u201cSe investidores hoje compram moedas virtuais cujo lastro \u00e9 obscuro, certamente haver\u00e1 interesse em cr\u00e9ditos de carbono emitidos com base em uma produ\u00e7\u00e3o sustent\u00e1vel.\u201d<\/p>\n

A permiss\u00e3o para que qualquer pessoa participe da compra e venda de cr\u00e9ditos \u00e9 alvo de controv\u00e9rsia. A medida, que busca dar liquidez ao mercado, \u00e9 vista com desconfian\u00e7a pelas distribuidoras, que temem especula\u00e7\u00e3o com os t\u00edtulos. Caso o custo das CBIOs fique muito pesado para as empresas, existe o risco de que elas optem por pagar a multa pelo descumprimento da meta, que durante a tramita\u00e7\u00e3o do projeto da RenovaBio no Congresso foi reduzida de R$ 500 milh\u00f5es para R$ 50 milh\u00f5es no m\u00e1ximo por distribuidora. \u00c9 certo que as empresas ter\u00e3o alguma flexibilidade. Uma pequena parte da meta individual, de no m\u00e1ximo 15% do total, poder\u00e1 ter seu cumprimento adiado para o pr\u00f3ximo ano, mas n\u00e3o ser\u00e1 poss\u00edvel utilizar o recurso logo em seguida. As distribuidoras ficar\u00e3o isentas da obriga\u00e7\u00e3o de comprovar a descarboniza\u00e7\u00e3o se firmarem contratos de compra de cr\u00e9ditos por per\u00edodos longos \u2013 o objetivo \u00e9 ajudar a estruturar o mercado de CBIOs. \u201cTemos o alicerce de uma nova pol\u00edtica, mas falta organizar adequadamente a sua aplica\u00e7\u00e3o. Ser\u00e1 preciso criar mecanismos para evitar que se burle o sistema\u201d, diz Rodrigues.<\/p>\n

Fonte:\u00a0http:\/\/revistapesquisa.fapesp.br\/2018\/04\/17\/impacto-no-mercado\/<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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